terça-feira, 10 de outubro de 2023

  Everton Jobim

PUC

UFRJ

Iuperj

Sociologia

Antropologia

Política

Professor 


Fez cursos de Direito e Economia na UFRJ e PUC 

sexta-feira, 26 de maio de 2023

Prof Everton N Jobim

Sociólogo

Professor de Antropologia Social

Professor de Ciência Política

PUC RJ

UFRJ

Museu Nacional

PUC 

Iuperj 

 Vários conceitos de modernidade

A Semana de 22 não foi o marco de nascimento do Modernismo no Brasil


Já havia um bom número de modernistas no Brasil antes de 22


22 criou o mito do Modernismo criado pelos filhos rebeldes da burguesia paulista 

 Sociologia das religiões

Sociologia da cultura

História das mentalidades 

Ciência Política

 

Teoria política e sociologia

2891 palavras 12 páginas
Teoria Política e Sociológica
Prof Everton Jobim
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FILOSOFIA
Everton Jobim Sociologist, Prof. of Social Anthropology and Political Science, formed at the Catholic University, the National Museum, and the Universitarian Institute of Researches of Rio de Janeiro / IUPERJ. Colocando entre os seis primeiros no vestibular unificado Cesgranrio para Direito (UFRJ, UERJ e UFF) Membro de uma tradicional família com inúmeros serviços prestados à sociedade.
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SÁBADO, 7 DE MARÇO DE 2009
A Escola de Frankfurt e a Dialética do Esclarecimento
O tema de “O Conceito de Esclarecimento” é a descrição do projeto emancipador da razão e o caráter incompleto de sua realização, questão que foi objeto de reflexões por Marx.

O Iluminismo nasceu como um movimento que pretendia libertar o homem da ignorância, da alienação do seu poder de decisão para uma esfera supostamente transcendente, desconhecida, não acessível à razão; tornando o homem senhor de si.

Na verdade, tratava-se, apenas, de uma transferência do poder de decisão de um grupo de homens para outro, segundo a leitura marxista e antes do positivismo.

Acreditava-se que a razão e a ciência permitiriam ao homem assenhorar-se de seu destino, conhecer os processos objetivos da natureza e da sociedade e organizar a vida de modo racional e livre. Mas isso que parecia ser um belo projeto para a humanidade, se transformou numa ideologia que, ao contrário, de dar sequência plena aos objetivos “das luzes”, desfigurou esse idéia,

quinta-feira, 25 de maio de 2023

 

Neoliberalismo e social-liberalismo, o debate sobre os fundamentos do pensamento liberal, através da filosofia política de José Guilherme Merquior

A presente dissertação investiga a constituição histórica do pensamento liberal através das reflexões do diplomata e cientista político, José Guilherme Merquior. O trabalho expõe as principais linhas de desenvolvimento do liberalismo, seus pensadores mais influentes, concentrando atenção no debate interno ao pensamento liberal. Aquele debate que se estabelece entre o liberalismo clássico e o social-liberalismo, tendo como contexto geral o advento da moderna sociedade democrática e industrial; e, posteriormente, entre o neoliberalismo de Von Mises, Hayek e Friedman, e o social- liberalismo, sob a influência do keynesianismo. Ao mesmo tempo, reflete também sobre a relação do liberalismo com as correntes não-liberais no campo do conservadorismo e no âmbito do pensamento socialista. Pensar, enfim, a relação entre o liberalismo, a democracia e a problemática social, através do pensamento político de Merquior, é o propósito geral deste trabalho.(AU)



Democracia Procedimental de Hans Kelsen; entre o Racionalismo

Relativista e o Universalismo

EVERTON JOBIM*

Iuperj 

 


A Democracia Procedimental de Hans Kelsen; entre o Racionalismo
Relativista e o Universalismo

EVERTON JOBIM*


* Professor de antropologia social formado pelo Museu Nacional/UFRJ e mestre
em ciência política no IUPERJ. E-mail: evertonjobim@

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O propósito deste artigo é a apresentação de uma análise integrada
do pensamento político do jurista austríaco Hans Kelsen (1881-1973),
relacionando-o à sua teoria pura do direito, exibindo os pontos de
convergência entre as duas perspectivas teóricas afetas a campos
cognitivos distintos, bem como a crítica de Kelsen às formulações
clássicas do pensamento político sobre a democracia. O artigo aborda
também diversas outras questões relacionadas ao tema central aqui
proposto.

Notabilizado como o principal teórico do positivismo jurídico e um
dos mais importantes juristas do século XX, autor de obras como
Teoria Pura do Direito (1934) e Teoria Geral do Direito e do Estado
(1945), Hans Kelsen teve sua doutrina jurídica submetida a inúmeras
reflexões acadêmicas por renomados juristas; pensadores da
importância de Roscoe Pound, Herbert L. A. Hart, Joseph Raz,
Norberto Bobbio, Miguel Reale e Carlos Cossio, entre outros nomes
de peso do pensamento jurídico internacional.

Nascido em Praga, mudou-se com a família para Viena quando tinha
apenas dois anos. Doutorou-se em direito, em 1906, pela Universidade
de Viena, tornando-se professor de Direito Público e Administrativo
da mesma universidade em 1919. Kelsen manteve contato intelectual
com importantes nomes da vida acadêmica austríaca, como J.
Schumpeter, Von Mises e também com o Círculo de Viena (Schlick,
Carnap, Wittgenstein e Neurath). Crítico do marxismo (Kelsen, 1982)
sustentou ricas polêmicas com os austro-marxistas, como Otto Bauer
e Max Adler, sendo também um notório opositor das idéias antiliberais
de Carl Schmitt, principal jurista do III Reich.

Seu pensamento jurídico-político exerceu grande influência durante
a elaboração da Constituição de Weimar, que deu forma à República
alemã, após a derrota do Reich na Primeira Guerra Mundial e o
sufocamento da revolução comunista. O liberalismo social de Kelsen
era muito conveniente à nova e frágil organização institucional daquele
país.

A pedido do chanceler Karl Renner, redigiu o documento base sobre
o qual foi elaborada a Constituição austríaca de 1920, que introduziu
o controle concentrado de constitucionalidade, sob a competência
exclusiva do Tribunal Constitucional.

De origem judia, fugiu da perseguição nazista na Alemanha, onde
também lecionava, mudando-se, em 1933, para a Suíça. Em 1940,
Kelsen transferiu-se para os EUA, onde atuou como professor do
departamento de Ciência Política da Universidade da Califórnia,
dedicando-se intensamente ao estudo do direito internacional.

A despeito de ser um autor amplamente discutido por teóricos das
mais diversas correntes, Hans Kelsen é pouco lembrado como um
importante pensador político, ou, mais precisamente, como o grande
teórico da democracia. Por essa razão, o presente artigo concentra as
suas reflexões no pensamento político do autor, tendo como referência
a coletânea A Democracia (2000h), um conjunto de textos de autoria
de Kelsen, no qual seu pensamento político é apresentado de forma
sistemática e relacionado à sua teoria do direito.

Ao elaborar a chamada teoria pura do direito (Reine Rechtslehre),
Hans Kelsen objetivou delimitar o campo cognitivo da ciência jurídica,
de forma independente em relação à moral, à sociologia e à história
do direito, excluindo, também, princípios do direito natural e
fundamentação de natureza metafísica. A ciência jurídica deveria
recusar qualquer critério ético universal como princípio unificador
dos sistemas jurídicos concretos, buscando a neutralidade axiológica.

A formação epistemológica de Kelsen, na linha do neokantismo da
Escola de Marburgo, na qual pontificavam os nomes de Paul Natorp,
Hermann Cohen, Rudolf Stammler e Ernst Cassirer, apontava para a
necessidade de se constituir um método unitário de observação da
realidade – um método puro – para cada ciência, mediante a
delimitação homogênea dos campos cognitivos. O projeto teórico-
metodológico do positivismo kelseniano consiste em estudar, de modo
objetivo, as relações internas que se estabelecem nos sistemas jurídicos;
o modo como as normas são produzidas a partir de outras normas e
a relação lógica entre elas. O sistema normativo, segundo o positivismo
jurídico, caracteriza-se pela completude, coerência e autonomia; sendo
constituído por normas válidas de caráter coercitivo que conferem
sentido jurídico às ações humanas (Kelsen, 2000d).

Para que o encadeamento normativo não se prolongue ao infinito,
Kelsen pressupõe uma norma fundamental hipotética com o objetivo
de fechar o sistema, a chamada Grundnorm (idem). A norma
fundamental é a norma limite – intranscendível – da qual, portanto,
não se poderá encontrar uma norma anterior como origem. O sistema
jurídico kelseniano, por definição, não se funda sobre um elemento
fático, mas no próprio direito. A norma fundamental é, precisamente,
este fundamento último do sistema, que lhe confere validade (idem).

Dentro do sistema normativo, a Grundnorm tem uma dupla função:
conferir unidade e validade ao ordenamento jurídico. A inspiração é
manifestamente kantiana. Segundo Kant, a razão sempre aspira
conhecer um nível superior incondicionado. Na Crítica da Razão Pura
(1781), ele demonstrou que, para alcançar um conhecimento dos
objetos da experiência, a razão necessita estabelecer limites através
da faculdade da imaginação, ou Einbildungskraft, que tem como
função sintetizar as percepções. O jurista, atuando como epistemólogo
que pretende delimitar o campo do direito, de forma puramente
racional, deve, portanto, estabelecer uma categoria hipotética, uma
abstração, para proceder a essa delimitação. A mediação entre o
sensível e o inteligível é realizada por uma categoria lógicotranscendental
pressuposta. A Grundnorm nasce, portanto, da
necessidade da Ciência do Direito de definir um ponto limite para a
observação dos fatos estudados.

As idéias de Kelsen sobre a natureza e a operacionalidade da norma
fundamental, a relação entre o direito nacional e internacional, o
caráter imperativo da norma jurídica, as possibilidades de
interpretação da lei pelos magistrados produziram inúmeras
controvérsias entre os juristas.

Nos termos do positivismo jurídico, ao juiz cabe aplicar a lei, ou seja,
subsumir o caso concreto à norma abstrata correspondente. A norma
legal vale por si, ela não tem seu peso relativizado em função das
modificações de avaliação da opinião pública em cada contexto
histórico. São extremamente limitadas as possibilidades de
interpretação da norma jurídica, no âmbito do positivismo. As normas
devem ser entendidas com a máxima objetividade possível.

A efetividade da norma é condição imprescindível para a sua validez.
É preciso que a norma seja, sempre, ou em algum momento, aplicada,
obedecida pelos indivíduos no plano empírico; a norma sem eficácia
não é norma válida. A norma fundamental estabelece a eficácia como
condição de validade das normas em geral. A normatividade depende
do fato de os homens aplicarem e obedecerem a norma criada. Deve
haver, portanto, uma relação mínima entre a norma jurídica e o plano
empírico. É necessário, pois, que a norma tenha alguma efetividade
observável. O direito válido é criado pelos homens, como sujeitos, e
aplicado com eficácia, segundo as normas do próprio sistema. O direito
é, assim, a relação lógica entre normas através das quais os indivíduos
se relacionam; a forma normativa das relações sociais.

Para Kelsen, fiel ao kantismo, o direito é pensado na distinção entre
o fato e o valor, ou entre aquilo que é (sein) e o que deve ser (sollen).

A norma jurídica é o campo do dever ser, enquanto o mundo dos
fatos e dos valores, ou a realidade externa ao direito, é o mundo do
ser. A Ciência do Direito, para Kelsen, só se ocupa do mundo das
proposições jurídicas ou das normas abstratas, do mundo criado pelo
legislador. O direito é estranho ao fato empírico exterior, sua realidade
é exclusivamente o dever ser, ou a ordem formal de apresentação das
normas, na qual se expressa a vontade do legislador.

Atos humanos juridicamente relevantes são aqueles vinculados ao
conteúdo das normas, e quando a ação individual contraria o conteúdo
da norma eficaz, entra em ação a sanção juridicamente prevista
(Kelsen, 2000d). Há, pois, uma tensão entre o que diz a norma e a
vontade dos indivíduos. O pensamento de Kelsen, por essa razão, ou
seja, por não admitir a existência de norma completa, sem a previsão
de seu descumprimento, com a tipificação da sanção correspondente,
pode ser entendido como um sistema de coerção organizado: sem
coerção, não há direito.

Nos termos de Kelsen, a norma válida é aquela elaborada através de
procedimento informado por norma anterior, que passa a ser dotada
de eficácia. A teoria pura do direito não exige, como condição de
validade da norma jurídica, a participação de todos os indivíduos no
processo de elaboração das leis. O procedimento de criação das normas
– a nomogênese – não exclui, portanto, regimes políticos, ao contrário
da teoria política de Kelsen. Desse modo, tanto a democracia (direta
ou indireta), quanto a autocracia, são regimes ou procedimentos
válidos de elaboração das normas jurídicas que regulam e dão forma
à vida social.

A teoria política de Kelsen não acolhe os princípios filosóficos da
democracia de caráter idealista, que a definem como um regime
fundado na soberania popular ou na representação da Vontade Geral.
Segundo sua perspectiva doutrinária, de orientação racionalista, céticorelativista,
tais princípios são apenas fórmulas metafísicas, destituídas
de realidade objetiva. O povo, para ele, é uma ficção. O que se chama
ordinariamente de povo, é, na verdade, um conjunto de indivíduos
dotados de direitos políticos, unidos sob os vínculos estabelecidos
pelo sistema comum de normas e que possuem os mais variados
interesses e valorações sobre o mundo (Kelsen, 2000g:141). A unidade
desses indivíduos, para o direito, é definida pelo sistema normativo a
que se submetem. Fora do que é definido pela norma jurídica, o
indivíduo rege-se pelo conjunto de valores e princípios que melhor
lhe aprouver, nos balizamentos do que é permitido pelo ordenamento
jurídico. Esses aspectos da ação humana são externos ao direito, pois,
para Kelsen, o direito só trata da moral ínsita ao ordenamento jurídico.

Ao negar os princípios idealistas da democracia, as reflexões de Kelsen
aproximam-se da interpretação do economista Joseph Schumpeter,
exposta na obra Capitalismo, Socialismo e Democracia, de 1942, que
pensa o regime democrático como um mero processo de escolha,
pelo eleitor, de propostas políticas que se oferecem no processo de
disputa eleitoral. Schumpeter considera a chamada Vontade Geral
um princípio metafísico, do qual se deduzem outros princípios que
servem para justificar formas de organização do Estado. Para ele, a
Vontade Geral é, na verdade, um somatório de inúmeros interesses e
valores diferentes, reunidos em uma escolha política comum (uma
sigla ou um candidato), sem que necessariamente exista algum
princípio unificador na escolha realizada sob a regra da maioria. Na
mesma obra, Schumpeter questiona também o alegado mérito
intrínseco, atribuído à democracia, de permitir que o indivíduo
disponha livremente sobre os assuntos públicos, manifestando sua
opinião sobre as questões que lhe dizem respeito. Isto porque esta
escolha, a princípio livre, não se processa necessariamente em termos
racionais. Ela pode ser fruto de uma opinião individual que não ganha
forma, de modo mais elaborado e consciente pelo eleitor, mas sob
influências estranhas à vontade consciente e plenamente senhora de
si.

Apesar da aproximação do pensamento de Kelsen em relação à tese
procedimental de Schumpeter, ele desenvolve argumentos que
recolocam a importância e o valor da democracia em outros termos.

Será a partir da abordagem procedimental da elaboração das normas
jurídicas que Hans Kelsen poderá hierarquizar as modalidades de
organização política, colocando a democracia no topo, como a forma
mais racional de criação normativa (Kelsen, 2000g:184-185).
A seu modo, Kelsen apresenta o valor e a importância da democracia.

A democracia possui uma regra determinada, ou um procedimento
bem organizado de produção e ordenação das normas jurídicas, sob
o princípio da legalidade, ou seja, do império da lei, que propicia
segurança jurídica aos indivíduos (idem:185). É sempre a norma
anterior que delimita a vigência das normas posteriores, e os riscos
causados pela incerteza, sob as variações da vontade discricionária,
são neutralizados pela democracia.

A autocracia, por sua vez, tem pouco apreço pelo princípio da
legalidade e da hierarquia normativa. Nela, o sistema jurídico fica
submetido ao arbítrio do governante, não havendo concatenação
lógica necessária entre as normas. Segundo o normativismo de Kelsen,
todo quadro de exceção legal deve ser previsto por norma anterior.

Na autocracia, o princípio da legalidade, ainda que não ostensivamente
violado, pode ser tratado de forma pouco rigorosa, sem definições
normativas mais precisas (de modo genérico e incerto), com o objetivo
de facilitar a discricionaridade na hora da interpretação.

Outro aspecto que garante a superioridade da democracia decorre da
perspectiva teórico-metodológica do positivismo kelseniano. Kelsen
adota o relativismo epistemológico no campo da teoria pura do direito
e declara que valores absolutos inviabilizam a democracia e a tolerância
a ela inerente, afastando-se assim de perspectivas filosóficas como as
de Platão e Hegel (idem:164, 210). O relativismo, para ele, é uma
barreira à autocracia, ao contrário das filosofias (e das teologias), que
concebem realidades absolutas, favorecendo a emergência de regimes
autocráticos. Na democracia, pelo fato de os homens reconheceremse
como livres e iguais, todas as opiniões podem ser apresentadas e
discutidas, o que é impossível na autocracia.

Na religião, ocorre uma transferência da responsabilidade de decisão,
do plano da autonomia individual, para aquilo que o corpo clerical
propõe como merecedor de obediência, em conformidade com a
autoridade de seu magistério (idem:248-250). Na democracia, ao
contrário, a autonomia individual é respeitada; a democracia possui
uma razão que não escapa ao alcance da razão individual e do seu
poder de decisão (idem:184).

Não obstante isso, Kelsen entende a transformação do Estado
metajurídico em norma, ou a autolimitação do Estado, de modo
equivalente ao mistério da Encarnação do Verbo na teologia cristã; o
fenômeno transcendental do infinito expressando-se no finito. O
Estado, com poder ilimitado, transforma-se em norma fundamental,
fazendo nascer a ordem jurídica (Kelsen, 2000a:342). Ele dialoga
com o pensamento teológico de Reinold Niebuhr e Emil Brunner,
autores que atacam o relativismo axiológico do positivismo jurídico
como propiciador do totalitarismo.

Argumentam os teólogos cristãos que, sem valores absolutos,
alcançáveis através do direito natural ou do direito divino, as portas
do direito ficam abertas ao totalitarismo (Kelsen, 2000g:229).

Conseqüência necessária da ausência de uma fundamentação sólida,
de caráter jusnaturalista ou metafísico, da doutrina positivista.
Afirmam que, a princípio, qualquer governante de perfil autoritário
que logre promover uma alteração constitucional, instituindo uma
nova norma fundamental, concatenando as normas inferiores com as
superiores, poderia erigir um sistema jurídico-político válido nos
termos do positivismo jurídico. Kelsen não ignora esse paradoxo do
regime democrático de propiciar liberdade até para os seus inimigos,
mas entende que a democracia, sob os balizamentos do regime
constitucional, possui instrumentos jurídicos e políticos eficazes para
impedir a sua transformação em uma autocracia.

Dialogando com os teólogos protestantes citados e incluindo o
pensador católico Jacques Maritain, Kelsen desenvolve sua crítica às
tentativas de se conferir uma justificação absoluta à democracia através
da teologia cristã. A democracia, como assevera o jurista austríaco, é
sempre um valor relativo no âmbito do cristianismo, não existindo
uma relação essencial entre a democracia e a fé cristã. Os cristãos
estão circunscritos, por sua doutrina, a um conjunto de valores dos
quais não podem abrir mão; mesmo que algum grau de liberdade de
opinião e divergência possa se verificar no seu interior. Kelsen
argumenta, também, em relação ao direito natural, que existem
concepções divergentes nesse campo, e algumas correntes
jusnaturalistas afirmam mesmo o caráter variável de seu conteúdo.

Dessa forma, fundar um sistema jurídico sobre o direito natural não
constitui fator de garantia em face dos alegados perigos do relativismo
axiológico. Segundo Kelsen, o relativismo axiológico é a única via
consistente para a vigência da democracia.

A democracia será considerada o melhor regime, o regime que supera
todos os demais, se os critérios utilizados nessa avaliação forem a
racionalidade na elaboração das normas e a aceitação da irredutível
igualdade e liberdade entre os homens. Se forem outros critérios de
referência, a democracia não poderá ser considerada a melhor escolha.
Há, portanto, uma real afinidade ou paralelismo entre a metodologia
do positivismo jurídico de Kelsen e sua teoria da democracia. Kelsen
não pode afirmar a democracia como forma superior de organização
política em relação a todos os valores possíveis de serem utilizados
como critério, porque não admite valores absolutos em sua teoria. A
única forma de considerar a democracia o melhor regime é,
paradoxalmente, absolutizar alguns valores como critério.
Só poderá haver democracia, nos termos de Kelsen, se for admitido o
relativismo valoral e a escolha livre desses valores pelos indivíduos.

O fundamento do modelo relativista de Kelsen são indivíduos
racionais, livres e iguais diante de uma incomensurável diversidade
de valores (idem:169-178). Contudo, ao tentar expor o modo como
a democracia se torna o melhor princípio para os homens organizarem
as relações de poder, a partir de uma hipotética escolha livre e racional,
a argumentação lógica de Hans Kelsen cai numa circularidade. Isto
porque só poderão escolher os valores da igualdade e da liberdade, e
assim o regime que lhe é mais adequado – a democracia – os indivíduos
que já se encontram em uma condição ontológica de igualdade e
liberdade, ou seja, libertos das influências dos poderes heterônomos
da autoridade metafísica e das paixões, que os afastam do julgamento
racional. Indivíduos que se consideram livres e iguais – escolhendo
valores de modo racional – escolherão, necessariamente, a liberdade
e a igualdade. Alguém que se considere igual aos demais não aceitará
ser senhor de seu semelhante; só pode querer a liberdade para todos.

E quem livremente pode deliberar sobre o futuro de sua condição
não terá razões para submeter-se à vontade arbitrária de outro. Os
indivíduos, portanto, só escolherão valores diferentes da igualdade e
da liberdade se negarem a sua condição ontológica fundamental. Dessa
forma, a escolha da democracia não possui caráter funcional em
relação a valores livremente eleitos pelos indivíduos, mas constitui
uma necessidade ontológica. Nesses termos, a democracia não deveria
ser considerada a forma mais racional de elaboração das normas
jurídicas, mas sim, a forma racional de constituição dos regimes
jurídico-políticos.

Kelsen não aceita o princípio metafísico do livre-arbítrio, segundo o
qual a vontade livre do homem é sempre o início da série causal. O
homem é responsável por seus atos porque é racional e não porque é
livre de modo absoluto, como proposto nos termos metafísicos. A
liberdade metafísica, segundo Kelsen, deve ser substituída pela
liberdade racional, submetida à imputação normativa, aquela que
determina a conduta justa e veda a conduta socialmente inaceitável
(idem:171). Para Kelsen, o homem é livre quando submetido à lei da
razão, ou seja, quando pode decidir liberto das influências dos poderes
heterônomos da autoridade de fundamentação metafísica. Ele rejeita
as teses metafísicas que afirmam o governo completo do mundo
natural e social pela vontade divina e verifica uma contradição na
doutrina cristã que afirma o livre-arbítrio do homem, ao lado da tese
do completo controle divino sobre o curso natural dos acontecimentos
(idem:170).

Kelsen critica o conceito de liberdade natural absoluta como
formulado por Rousseau. Esta liberdade pré-social, uma vez
transformada em liberdade política, não admite partes subordinadas
no processo de formação da Vontade Geral.

Pelo fato de a Vontade Geral, nos termos de Rousseau, não reconhecer
autoridade deliberativa à minoria, em face da vontade majoritária, a
posição da minoria será considerada estrangeira e excluída do contrato
social, ou representada pela vontade da maioria, que trará consigo
também a minoria. Minoria coagida a ser livre por aqueles que
identificaram o bem comum, coincidindo a sua vontade particular
com a Vontade Geral. O indivíduo, mesmo que não queira ser igual
em sua opinião com os demais, é forçado a sê-lo.

A existência da minoria, em Rousseau, portanto, não impede a
formação da Vontade Geral, apesar da exigência da unanimidade.
Aceitando a existência de duas vontades, uma legisferante e outra
destituída dessa autoridade, Rousseau não esclarece, contudo, por
que uma opinião minoritária, uma vez tornada majoritária, não
poderia ser considerada legítima.

Se a Vontade Geral é constituída a partir da agregação das decisões
individuais, ela pode ser modificada, em conformidade com a alteração
da vontade individual. Mas se ela for uma razão geral, objetiva e
independente, em relação às vontades particulares, ela irá se impor a
essas vontades, definindo a verdade, que deve ser seguida por todos
(ou pelo maior número). As proposições de lei, durante as votações,
serão, nesse caso, avaliadas como sendo compatíveis, ou não, com
essa Vontade (idem:174-177).

Kelsen, portanto, na tentativa de escapar da armadilha metafísica da
Vontade Geral; propõe que aqueles indivíduos que não seguem a
maioria poderão continuar a existir como minoria. A sua proposta
racionalista baseada no relativismo filosófico é uma via para a solução
da contradição verificada entre a existência da Vontade Geral e das
vontades particulares na elaboração do contrato social e na sua
sustentação.

A partir de uma constelação original de valores relativos, os indivíduos
escolhem a igualdade e a liberdade, e assim a democracia, como o
regime mais adequado a esses valores. E, logo em seguida, necessitarão
compatibilizar essa escolha com a diversidade de valores que continua
a vigorar no interior da ordem democrática. Kelsen afirma que a
síntese democrática, entre liberdade e igualdade, está na base da idéia
relativista entre sujeito e objeto de conhecimento (idem:180). Seu
relativismo filosófico deseja superar tanto o solipsismo, que só
reconhece o mundo do sujeito, quanto o pluralismo absoluto, que,
admitindo a existência de outros sujeitos, reconhece a existência de
uma pluralidade de mundos, sem a possibilidade de comunicação
entre eles. Se não é possível afirmar a objetividade de cada mundo
concebido, pode se afirmar a igualdade dos sujeitos do conhecimento
e sua liberdade, sob a regência de uma lei comum do processo
cognitivo (idem:166 e 167).

Na liberdade política ou social, ocorre uma limitação mútua das
liberdades inerentes aos indivíduos. Essa limitação da liberdade na
democracia, realizada pelo direito, é uma necessidade para a
coexistência dos homens em sociedade, uma defesa da liberdade de
cada um, legalmente reconhecida (idem:167 e 168). O homem é livre
quando se submete, racionalmente, à vontade com a qual se identifica.
Segundo a teoria democrática, é livre quem se submete à lei com a
qual concordou. Livre, portanto, quando vota e manifesta a sua
opinião e livre quando se encontra no campo da maioria. Assim,
quanto mais indivíduos apóiam um conjunto de idéias, maior o número
de “autodeterminados” ou de livres; mais pessoas exerceram
livremente seu direito de decidir, escolhendo a lei pela qual serão
governadas, codificando normas de conduta na forma de direitos e
deveres; e maior, portanto, a sustentação social dos valores que
compõem o sistema jurídico-político em questão. A maximização do
consenso é, conseqüentemente, a máxima liberdade possível na
democracia.

Para Kelsen, quando se fala em democracia, fala-se em princípio da
maioria/minoria. O princípio democrático da maioria implica
necessariamente no princípio da minoria. Do contrário, estamos diante
de um regime autocrático, ou seja, da imposição de uma única vontade.
A minoria, contudo, não poderá legislar, porque é a maioria quem
tem esse poder. Entre maioria e minoria, há um desejo comum de
viver sob um mesmo sistema, no qual é aceita a regular alternância
de posição entre elas. A unidade ocorre no plano da integridade do
sistema, unidade baseada na igualdade e na liberdade dos cidadãos,
fundamento da ordem democrática. E a diversidade se verifica em
outro plano, nas posições políticas e nos valores portados por cada
indivíduo (Kelsen, 2000c:69-70).

Os direitos fundamentais das minorias são assegurados por maioria
qualificada, precisamente para desestimular eventuais tentativas de
violação. A minoria não sendo temporariamente livre, visto estar
sujeita às leis dos majoritários, possui direitos fundamentais
assegurados e seus membros poderão vir a ser maioria no futuro. A
minoria fica submetida ao conteúdo normativo definido pela regra
da maioria, mas não totalmente nem definitivamente.

Na democracia pensada por Kelsen, tendo como base o relativismo
axiológico, uma opinião adotada pela maioria não pode se tornar
definitiva. A minoria deve ter sempre o direito de conservar seus
ideais, devendo ter meios de limitar a vontade da maioria, de modo
que o sistema democrático seja preservado. A democracia, portanto,
é um processo contínuo de identificação e diferenciação, entre
indivíduos em relação a valores, sob uma regra fundamental de
identidade. Valores são, permanentemente, confrontados na arena
política; acolhidos ou rejeitados sob a regra da maioria. Trata-se de
um conflito presente na sociedade, que se processa de modo
institucional na esfera política. Enquanto houver uma democracia
autêntica vigorando, não haverá conflito social degenerando em
violência. A democracia contribui, portanto, para desradicalizar as
posições político-ideológicas.

Segundo Kelsen, de uma maneira diferente da pensada por Rousseau,
ocorre uma síntese entre maioria e minoria na esfera política, que
expressa, a seu modo, a Vontade Geral; maioria e minoria afetam-se
e limitam-se mutuamente. Kelsen não crê em idéias de que a maioria
representa a minoria ou a Vontade Geral, mas entende que a síntese
referida expressa uma unidade de vontade. A despeito do fato de
nem todos os cidadãos serem participantes da política, é possível a
presença da diversidade de opiniões através do sistema representativo.
Há, portanto, nexo significativo entre as opiniões sociais e a disputa
político-partidária.

Para ele, a democracia, na contemporaneidade, devido às múltiplas
atribuições do Estado, deve se realizar por sufrágio universal
(idem:43), sendo, portanto, representativa ou parlamentar (Kelsen,
2000b:112). Regime no qual os indivíduos agrupam-se em torno de
idéias nos partidos políticos e os conflitos sociais desenvolvem-se na
disputa política no âmbito do Parlamento. Kelsen não vê
incompatibilidade entre a democracia e o princípio da representação,
mas concebe o sistema de representação de uma maneira diferente
da tradicional. Se os indivíduos admitem que sua posição de
dominância pode vir a ser alterada em relação a outras, o princípio
democrático é viabilizado. Eles aceitam, desse modo, a verdade do
princípio da alternância entre maioria e minoria que caracteriza a
democracia, na forma de um compromisso. Não significando,
contudo, que os participantes do regime democrático tenham todos
que ser céticos relativistas. Os indivíduos que crêem em valores
absolutos se comprometem a aceitar a não-dominância, ao menos
temporária, de sua opinião, crendo que esta será dominante no futuro.

Enquanto não convence a maioria do valor de sua opinião, o indivíduo
na posição minoritária admite que outras opiniões sejam majoritárias.
Em um regime de liberdades, como pensado por Kelsen, os indivíduos
podem mudar de opinião legitimamente através da aquisição de
informações e da ação persuasiva de seus interlocutores sociais. A
maioria não possui, necessariamente, uma racionalidade superior sobre
os temas de importância coletiva.

Kelsen não quer qualificar maiorias para que não venham a valer
mais do que de fato valem, obrigando os indivíduos a se agruparem
em torno de idéias que não necessariamente as suas na origem. O
modelo democrático pensado por ele objetiva, sempre, maximizar a
liberdade individual. A maioria simples é a fórmula mais próxima da
pluralidade de opiniões de uma democracia direta.

A perspectiva monista do positivismo jurídico não admite outras fontes
do direito que não o Estado. O Estado é a própria unidade da ordem
jurídica. Ao contrário de Carl Schmitt, Kelsen concebe o Estado como
uma associação específica no interior da sociedade, uma associação
para o domínio (herrschaftsverband), rejeitando a indistinção moderna
entre Estado e sociedade como pensada por Schmitt. Kelsen afirma o
poder de imposição do sistema normativo, através do aparato estatal,
porque possuidor dos necessários mecanismos de coerção. A soberania
do Estado é pensada a partir do sistema de normas fundamentais, das
quais as demais devem derivar. Sistema variável em conteúdo
conforme as elaborações constitucionais dos respectivos ordenamentos
jurídicos concretos. Só há direito positivo onde há um sistema jurídico
estável e eficaz, ou seja, onde há poder de coerção balizado pela lei.

Mas esse poder de coerção, ao contrário da Vontade Geral de
Rousseau, não forçará os indivíduos na posição minoritária a adotarem
a opinião da maioria como forma de encontrar, por via paradoxal, a
sua condição de liberdade. Obrigará, sim, ao respeito em relação a
ela, mesmo que subjetivamente contestada.

Kelsen considera a transformação, operada pela filosofia política, do
autor impessoal da vontade do Estado em uma pessoa ou sujeito
coletivo, uma pura abstração que não corresponde a nenhuma
experiência política real. Esse tipo de abordagem faz crer que o Estado
possui donos ou se caracteriza por algumas poucas relações
dominantes. O Estado é o produto de um amplo e complexo processo
que avalia e compõe uma pluralidade de interesses distintos e
contraditórios entre os indivíduos (Kelsen, 2000c:92; 2000a:305,
313). O Estado, segundo Kelsen, não se reduz a uma classe ou grupo
social.

A democracia kelseniana é o primado da lei, o governo da lei
impessoal, à qual as instituições políticas se submetem. O Parlamento
– órgão criado para a função legislativa – é a via institucional através
da qual os interesses sociais conflitantes podem dialogar de modo
regular e estabelecer consensos; sendo de fundamental importância
nesse processo que todos os interesses sociais e políticos se façam
presentes no Parlamento, através dos partidos políticos, a fim de
permitir a formação de um verdadeiro compromisso político.

Na democracia, governo da autodeterminação individual, o chefe
político ou o líder é imanente à massa, constituída através da norma
como princípio unificador e diretivo. Nas autocracias, ao contrário,
o líder é transcendente à comunidade, possuidor de um caráter
superior e paternal. Na democracia, sob o princípio fundamental da
igualdade, todos os cidadãos podem ser chefes; verifica-se, por isso,
uma regular alternância de chefes ou dirigentes políticos (Kelsen,
2000c:87-88). Enquanto na perspectiva relativista, base da
democracia, os indivíduos são necessariamente iguais; na autocracia,
eles são necessariamente diferentes (Kelsen, 2000g:167).

Kelsen nega tanto a afirmação de que somente o capitalismo é
compatível com a democracia, como a tese marxista segundo a qual
só haverá democracia real no socialismo. Ele propõe que a democracia
pode ter um conteúdo econômico capitalista ou socialista (idem:253-
281), mas não é equivalente a um mero regime de igualdade material,
pois a igualdade material pode, perfeitamente, vigorar em ditaduras.

Kelsen tampouco aceita como democrática uma alteração no sistema
de representação parlamentar favorável a um regime de partido único.
Afirma, por outro lado, que as garantias fundamentais do sistema
jurídico do Estado de Direito impedem que o poder econômico exerça
um poder arbitrário sobre o regime democrático.

Kelsen analisa as doutrinas de Locke e Hegel, mas não acolhe a idéia
de direito absoluto à propriedade privada (idem:290-293), também
rejeitando a doutrina da propriedade coletiva natural. Para ele, a
restrição à liberdade econômica no socialismo democrático não
compromete essencialmente a democracia (idem:274). Na democracia
capitalista, a liberdade econômica e o direito de propriedade têm sido
objeto de várias restrições legais – lei antitruste, anticartel etc. –,
além do planejamento burocrático, e não se contesta o caráter
democrático desse tipo de democracia com base no argumento
econômico. A democracia possui diferentes graus, que se expressam
na divisão entre as funções de criação e aplicação do direito, afirma
Kelsen (idem:266-268).

O Estado democrático pode se realizar tanto em um regime econômico
capitalista quanto socialista, não havendo vinculação necessária entre
a democracia e cada um desses regimes econômicos. Tal possibilidade,
admitida por Kelsen, tem produzido inúmeras controvérsias quanto
ao grau de afinidade da teoria pura do direito e de seu pensamento
político com o liberalismo ou com o socialismo. Ele apresenta o valor
da democracia como um fator inegável de civilização, mas é criticado
pelos marxistas por não aceitar o argumento de limitação dos
princípios da democracia sob o regime capitalista, mesmo não
fechando as portas para uma democracia socialista.

Segundo Norberto Bobbio, que faz uma leitura valiosa da obra de
Kelsen, extraindo, contudo, conclusões distintas das dele, a obediência
ao poder constituinte estabelecido pela norma fundamental significa
obedecer a um conjunto de forças políticas que, num determinado
momento da história, definiram o conteúdo da norma fundamental
sobre a qual se estrutura todo o sistema jurídico (Bobbio, 1991:65).

A norma fundamental é, portanto, a expressão do conjunto de idéias
políticas dominantes num determinado contexto histórico. Sob os
princípios gerais da igualdade e da liberdade, variações de conteúdo
normativo são possíveis na democracia. Os homens podem ser livres
e iguais de diferentes modos (Bobbio, 2000b). Indo além de Kelsen,
Bobbio afirma que a democracia liberal tende a evoluir na direção da
democracia social. Ele afirma que a democracia deve ser respeitada,
intrinsecamente, como expressão institucional da vontade popular e
dos direitos e garantias individuais conquistados ao longo da história
do Ocidente, mas declara, ao mesmo tempo, que não se pode perder
de vista que a democracia é também um meio para um fim, que é a
realização plena das potencialidades humanas através da igualdade
substantiva entre os homens. Para Bobbio, a democracia é um
instrumento – único válido – para a construção de uma ordem
socialista (Bobbio, 1983:91; 1990:7). Ele não admite vias nãodemocráticas
de construção do socialismo, reafirmando, assim, a sua
consciência jurídica, que se expressa na importância do respeito às
leis e às instituições. Para Bobbio, a democracia deve escolher entre o
Estado justo – o Estado social –, ou o Estado eficiente dos neoliberais,
que volta as costas para as suas obrigações sociais. Erra, portanto, o
pensamento liberal ao submeter as suas concepções sobre o Estado à
lógica do mercado, sentencia Bobbio (Bobbio, 2000a). A evolução da
democracia liberal na direção do socialismo não é, para Bobbio, uma
desfiguração do pensamento liberal, como propõe, por exemplo, F.
Hayek (1990), mas o desenvolvimento das potencialidades da própria
democracia liberal (Bobbio, 1992). O chamado socialismo liberal de
Bobbio é, acima de tudo, um socialismo de direitos, cuja referência
central é o respeito pelos direitos humanos. Quando fala em ética,
Bobbio fala da inviolabilidade da pessoa humana, e a sua referência
central é Kant.

Hans Kelsen, apesar de bastante influenciado pelo kantismo, afirma,
ao contrário do pensador de Königsberg, que a justiça só é observada
na norma do direito positivo. Em termos universais, a questão deve
ser tratada pela ética, pois os valores que os homens portam são
múltiplos, e, portanto, o critério de justiça é sempre relativo a muitos
sujeitos. O relativismo de Kelsen não conduz à rejeição de toda a
moral, como propõem seus críticos; afirma, sim, a autonomia moral
do homem e a necessidade de um acordo sobre valores.

Kant propõe uma fundamentação racional do direito, com base no
imperativo categórico. Em A Crítica da Razão Prática (1788), ele
argumenta que apesar da impossibilidade cognitiva de afirmar algo
sobre a coisa em si; no campo da ética, ao contrário, é possível a
formulação de um juízo categórico. Um imperativo ao qual estão
ligados a ética e o direito; um juízo sintético a priori, que se constitui
na base da moral e do direito, ou do foro interno e externo, do sujeito.
Age, pois, como legislador e súdito, de sua lei! A lei moral é a lei da
liberdade quando o indivíduo obedece a um princípio, não por medo
da coerção, mas por um sentimento íntimo de dever. A autonomia da
razão prática expressa a própria realização das regras presentes na
forma da lei: o respeito pela razão e pelo sujeito racional.

O mundo ético, nos termos kantianos, é aquele no qual se realiza a
coexistência de pessoas emancipadas pela razão, vivendo em respeito
mútuo, exercendo seus direitos e observando seus deveres. O homem
como sujeito, movido pela “razão pura”, regula sua conduta pela
“razão prática”, convivendo, assim, sob o direito, com os demais. Ao
agir, ele deve fazer da máxima de sua ação um princípio de legislação
universal e não considerar o homem como um instrumento, mas como
um fim em si mesmo; nesses termos Kant define o imperativo
categórico. Alcançar uma legislação universal a partir da submissão
da ação ao imperativo categórico implica na convergência entre as
ações individuais, harmonizadas em direitos e deveres, sob uma lei
comum. Kant aspira à Paz Perpétua entre os povos, com base no
mesmos princípios racionais aplicados ao indivíduo – age de tal modo
que tenha sempre a humanidade como fim.

Kelsen recua diante das proposições kantianas sobre uma ética
universal convergente com o direito por considerá-la de caráter
metafísico (Kelsen, 2000f:354), ficando o estudo dos princípios e
valores a cargo da deontologia. O máximo admitido por Kelsen é
que o objetivo dos ordenamentos jurídicos em seu conjunto é o
princípio eudemonista. O conceito de eudemonia, ou satisfação, é o
objetivo último de todo o direito, segundo sua argumentação. Desse
modo, com o objetivo alcançado, plenamente satisfeito, o propósito
para a existência da norma jurídica está realizado.

Enquanto a teoria pura do direito, baseada no relativismo axiológico,
não hierarquiza os regimes jurídico-políticos, limitando-se a constatar
a sua existência e a estudar a sua lógica interna, a teoria política de
Kelsen eleva a democracia como a forma mais racional de elaboração
das normas jurídicas. Regime dotado de procedimento regrado e
previsibilidade, no qual os indivíduos se reconhecem como
essencialmente livres e iguais, tal como exige o imperativo categórico,
e buscam preservar essa condição. A lição maior do jurista vienense,
enfim, é a de que o homem, como ser racional, realiza plenamente a
sua racionalidade no Estado de Direito Democrático; nesses termos,
portanto, Hans Kelsen não se encontra tão distante de Immanuel
Kant como à primeira vista poderia ou teria desejado parecer.

(Recebido para publicação em novembro de 2006)

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